domingo, 12 de julho de 2009

JOSÉ CRAVEIRINHA (Moçambique)




JOSÉ CRAVEIRINHA (1922-2003)

Quero Ser Tambor


Tambor está velho de gritar
ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.


E nem flor nascida no mato do desespero.
Nem rio correndo para o mar do desespero.
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da .minha terra.

Eu!

Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala.
Só tambor velho de sangrar no batuque da minha terra.
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor.
E nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!

Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!


A poesia de JOSÉ CRAVEIRINHA é uma antiga e fortíssima paixão minha. Julgo que fui a primeira pessoa a dizer poesia sua na RTP, em 77, numa acidentada sessão de "A Visita da Cornélia" no Porto.

A sua poesia é particularmente comovente pela denúncia do racismo que, não oficializado, era oficiosamente praticado em Moçambique nos anos 50 e 60, com características em tudo semelhantes ao Apartheid daÀfrica do Sul.

Ao ler apontamentos da sua biografia dou com um velho artigo de jornal em que ele elogia "o rasgo de puro e desassombrado desportivismo» que representara, na época de 51/52, o «caso absolutamente ímpar» da «apresentação nas pistas de atletismo de alguns atletas negros puros envergando a tão susceptível, até aí, camisola do Sporting local" e lamenta a "infeliz lei que suprimiu dos campos de futebol a presença do negro quando não apresente o respectivo atestado de assimilação". Anos 50. É bom guardar memória.

Craveirinha recebeu o Prémio Camões 1991 que o consagrou como grande poeta da língua portuguesa, grande poeta da negritude e grande poeta do mundo,

3 comentários:

Mar Arável disse...

Boa memória

Abraço

Elvira Carvalho disse...

Como eu gosto de José Craveirinha...
Um abraço

Júlio Pêgo disse...

Notável poeta onde negro rimava com carvão, na resistência ao poder colonial, ao patrão. Vestiu a pele do contratado, maltratado e acorrentado, em busca do caminho da dignidade em liberdade.Honra à sua memória.