domingo, 13 de abril de 2014

PODERÍAMOS TER COMEÇADO A APRENDER...

O Amadeu Baptista é um poeta com vasta obra publicada em várias línguas e com uma impressionante lista de prémios.

Poeta de Abril, também na sua poesia aparece esta dor de um Abril por cumprir.


AMADEU BAPTISTA

25 DE ABRIL DE 1974


A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender
[a crescer
e a desafiar os enigmas puríssimos da palavra liberdade
[ - no auge da paisagem
a ave indócil a que não renunciámos
é um símbolo fortíssimo contra os símbolos precários,
[os malogros
antigos,
a fome a que nos querem condenados
sempre que a morte ronda e o exílio
dói
como um cravo recentemente apunhalado.

A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender
[a enfrentar o medo
que durante tanto tempo nos manteve separados
sem que soubéssemos como e quando acabaria – na
[terra e no amor
brilham profundamente as lágrimas dos pobres
e o sangue é uma flor misteriosa
que floresce de súbito
quando um grito se ouve no deserto
e uma gaivota volta
para nos contactar.

A partir desse dia poderíamos ter começado a
[distribuir o coração
e a partir nesse barco em busca de límpidas aventuras
onde enfeitássemos a vida com sonhos realizáveis
e a solidão fosse completamente impossível – o
[silêncio abria-se
num manancial de palavras profundamente comovidas
[que nos enchiam de ternura
e nos aproximavam
dos incontáveis registos da fraternidade, a noite
era expulsa para sempre
e os braços davam-se e ardiam.

A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender
[que a felicidade
é algo muito mais tangível do que o que nós
[pensávamos
se se constrói pedra a pedra e palmo e a palmo se
[conquista
quando uma vontade solar e a solidariedade
não deixam ninguém ficar desprevenido – o assombro
principia a exercer o seu poder admirável, chega como
uma chuva benigna com o perfil da paz, tem o odor
interminável
da alegria.

A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender
[a conjugar um futuro
um pouco mais perfeito, a erguer
a cabeça, a defendermo-nos
das múltiplas armadilhas que o ódio arma –
[entrávamos pela manhã
ainda com maior vitalidade
e com um pouco do azul da primavera progredíamos
como um par de namorados:
a proliferante espontaneidade dos seus beijos
transformaria o mundo…

A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender
[que a frescura
é um bem vertiginoso que é necessário preservar cada
[vez mais
e que não basta a um homem
o benefício das mãos limpas perante a enternecedora
[figura de esperança
quando os lobos são os mais acérrimos inimigos da
[exclusiva claridade que há nas praias
e com falsos dentes de oiro esperam um mínimo
[descuido
para que possam destruir de um só golpe os sonhos e a
[beleza
de quem abre as portas de par em par a bens muito
[maiores
para que a volúpia entre e alvorece o ar.

A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender
[a agir conclusivamente
sobre o passado, a prevenir
o mal do desencanto.

2 comentários:

Mar Arável disse...

Estamos sempre a aprender
Abraço

tb disse...

Como se a Humanidade regredisse...
Beijinho.