segunda-feira, 7 de setembro de 2015

MIGUEL-MANSO


Longe do do que podemos dizer que é o millieu literário, Miguel-Manso ocupa um lugar destacado na poesia contemporânea portuguesa. A sua poesia tem uma ressonância com alguma dimensão telúrica, uma verdade própria que se constrói como uma aventura por vezes emocionante entre a palavra e a vida.

NEM TANTA COISA DEPENDE

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preferes o canto, o lugar oculto
a folhagem, a sombra, o quarto, este
saco de trigo: ouro de um texto
sobre a velha escrivaninha do real
lá fora o clarão do arvoredo
atalhos para a tingidura da paisagem
cá dentro menos caminho, outro
panorama: a presença tão-só
desabitada de uma pessoa, mistério sem
atributo ou função
sempre a desfeita de um coração
o cultivo intensivo das figuras
e sobram tristeza e dias ao corpo que escreve
no calabouço de uma manhã muito larga
reluzente de gotas de mel
enquanto os gatos lambem o sábado
e sentado, sapo de ouro, permites-te pôr no mundo
(mas porquê) outro poema


[in Ensinar o Caminho ao Diabo, edição do autor, 2012]

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