sexta-feira, 25 de março de 2016

DANIEL MAIA-PINTO RODRIGUES

Conhecia muito mal a poesia de Daniel Maia-pinto Rodrigues e a ele não o conhecia de todo.

Sabia-o frequentador das muitas tertúlias de poesia do Porto (entre as quais a famosa do café Pinguim.

Conhecemo-nos na Poesia à Mesa em S. João da Madeira. E foi amizade à primeira vista. Vou desatar a conhecer melhor a sua poesia. E darei aqui nota disso.



SINGULAR TEMPO PLURAL

Em Outubro passado
saí à noite com a cunhada de um amigo
o que me pareceu sexualmente correcto.

Tratava-se o espécime de alguém bem alinhavado
o que também me pareceu sexualmente correcto.

Levei-a a jantar a um bonito restaurante
trocámos umas ideias
trocámos uns olhares
engraçámos com os pontos em comum
e tudo estava a correr bem.
Falava eu das castas e tradições
do vinho que bebíamos
quando, sentindo-lhe o bouquet
ao dar um gole em grã seigneur
o estafermo do líquido
me entrou para os pulmões, circunstância infeliz
que provocou de imediato
imponente e borrifada engasgadela
mesmo ali à frente da carinha dela
o que francamente me pareceu
sexualmente incorrecto.

Mais tarde, quando já tinha
a algum custo recuperado o élan
fui com ela dar uma volta pela linha costeira.
Durante o passeio,
disse-me que estava a gostar muito
de ouvir os Roxette
o que me pareceu sexualmente correcto.
Depois abordou a política.
explicou-me que já não era
mas que tinha sido daquele partido
que agora, por sinal, está bastante partido
no mau sentido do termo.

Foi logo a seguir que me falou do mar.
Disse-me que o mar, poucos quilómetros adiante
era lindo!
Eu estava já a afiambrar as ideias
e não tardava muito ia entrar naquela fase
em que nos armamos em carapau.
Mas naqueles poucos quilómetros
que faltavam para o sítio
onde o mar é lindo
o carro ficou sem bateria.
Ainda esgrimi, atrapalhado
um incómodo diálogo com o démarreur
mas o carro, pois sim, já dali não saiu
o que, convenhamos
foi de todo sexualmente incorrecto.

Passou-se uma semana, um mês
sucederam-se os outubros
e, talvez pelo que se passou naquela noite
mas creio que não, as nossas vidas
levaram rumos diferentes.

Através do tempo
quando levo alguém a ver
o sítio onde o mar é lindo
fico com a sensação
de que é sempre um pouco depois.

1 comentário:

Licínia Quitério disse...

Interessante. A ler com um sorriso e depois ficar um bocadinho a pensar. Obrigada, Fanha.